Manejo da água em sistema de produção com foco na cafeicultura

No dia 22 de março é comemorado o dia internacional da água, contudo não há muitos motivos para se comemorar considerando que esse recurso vital a sobrevivência de todos os seres vivos está se tornando escasso.

De acordo com a celebre frase de Antoine-Laurent de Lavoisier, Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Sob esta perspectiva não há nada para se preocupar, contudo o cenário que nos deixa temerosos é a disponibilidade de água potável, haja vista que este recurso está concentrado em mais de 70% nas geleiras, 22% de forma subterrânea e apenas 1% em rios e lagos.

A distribuição de água ocorre de maneira desuniforme ao longo do planeta, sendo que o Brasil concentra 12% de toda água “doce”. Essa quantidade de água não representa segurança hídrica, pois vemos constantemente problemas de contaminação e desperdício e com o aumento da população a quantidade de água per capita reduz a todo momento. Essa escassez anunciada para este recurso não é apenas um problema para o consumo humano.

Na agricultura e pecuária o que se tem visto nos últimos anos, são secas severas como as que ocorreram em 2014 (Figura 1), 2021 e em 2022 uma forte estiagem no sul do país comprometendo grandes áreas agrícolas. Ou seja, ocorre um desequilíbrio na sua quantidade e na distribuição ao longo do espaço e tempo. Tudo indica ser um retrato do aquecimento global, mas alguns cientistas consideram que estes episódios de secas podem estar atrelados a outros fenômenos. Independente do motivo é correto afirmar que algo anormal está ocorrendo o que pode comprometer o bem estar de todos os seres vivos.

Figura 1 – Impacto da seca em lavouras de café no sul de Minas Gerais em 2014 Fonte: (LEMOS, 2014)

Neste sentido as propriedades rurais têm um papel fundamental pois além de PRODUZIR ALIMENTOS, TAMBÉM PODEM ATUAR NA PRODUÇÃO DE ÁGUA. Para que este trabalho seja efetivo há necessidade do envolvimento do setor público, privado, organizações da sociedade civil e dos indivíduos. Portanto, a prestação destes serviços ambientais devem ocorrer nas bacias hidrográficas por meio de ações de recuperação de estradas rurais, construção de bacias de captação de água pluvial, recuperação de áreas de preservação permanente (APP) e manejo do solo em áreas agricultáveis.

Dentro de um sistema de produção, ou seja, em uma propriedade, nas condições de relevo acidentado como ocorre no sul de Minas Gerais, estas ações devem priorizar a preservação de matas nas áreas de topo de morro (Figura 2) ou “cabeceiras”, pois são estas águas que irão infiltrar de maneira mais lenta que permitirá a manutenção das águas no lençol freático e nas minas por um maior período de tempo.

Figura 2 – Proteção de topos de morro com vegetação nativa Fonte: (GOOGLE EART, 2022)

Nas áreas de encostas, deve-se fazer o uso para a agricultura desde que o solo dentro desta paisagem permita esta atividade e nas “baixadas” desde que não seja locais de preservação permanente pode continuar a fazer o uso para agricultura e pecuária. (inserir imagem da fazenda da PGC).

Dentro de um sistema de produção as atividades de agricultura e pecuária devem coexistir de maneira harmoniosa e dependente buscando sempre a sustentabilidade. Por mais que as áreas de vegetação nativa devam ser preservadas visando também o aumento da água, estas são importantes para a pecuária, pois são locais onde os animais buscam abrigo e conforto térmico, portanto caso estas matas não sejam APP ou reserva legal devem ser deixadas em parte sem o cercamento (Figura 3) visando o ganho de produtividade da pecuária.

Figura 3 – Delimitação de mata nativa, em laranja, com cerca deixando-se área com vegetação para abrigo dos bovinos Fonte: (MELO, 2021)

Ainda no âmbito da pecuária, grande parte das pastagens do Brasil estão degradadas. Por se encontrarem nesta situação a água pluvial não infiltra, escorre superficialmente aumentando os processos erosivos e provoca o assoreamento dos corpos hídricos. Portanto, a renovação das pastagens por meio da descompactação do solo, adubação, calagem são práticas essenciais para o aumento da produtividade animal bem como da infiltração da água.

No contexto da cafeicultura, devido ao arranjo espacial das plantas, esta cultura tem grande capacidade para promover a infiltração de água desde que esta seja conduzida em sistema de plantio em nível. Contudo, essa prática isolada torna-se ineficiente em cenários de estresse hídrico, devendo portanto haver a integração de outras atividades. Em artigo especifico já foi abordado sobre a temática “Maximização no uso da água na Cafeicultura” (https://ultranews.com.br/colunas/ifsuldeminas-campus-inconfidentes/gecafes/maximizacao-no-uso-da-agua-na-cafeicultura/) com destaque para o uso de brachiária, matéria orgânica e implantação da lavoura cafeeira. Neste artigo vamos explorar um pouco mais o assunto.

Como estamos em março de 2022 em momento antecedente a uma prática muito comum na cafeicultura que denominamos de arruação. Este trabalho consiste em retirar de forma mecânica os resíduos orgânicos que estão sob os ramos plagiotrópicos do cafeeiro comumente conhecida como “saia” do café. Esta prática tem sido feita com o uso de enxadas, rastelos, sopradores, etc. A arruação visa retirar esta camada de matéria orgânica, deixando o solo limpo. Ao se retirar esta camada de matéria organiza (constituída por folhas da cultura, restos de podas e plantas daninhas), pode-se retirar também os fertilizantes aplicados, calcário e a camada de raízes finas que são as responsáveis pela absorção de água e nutrientes.

Ao proceder esta limpeza, o objetivo é deixar o ambiente, limpo pois neste local alguns frutos de café cairão em função do estádio avançado de maturação ou mesmo na prática da colheita. Com esta limpeza, o recolhimento dos frutos fica facilitado. Após a colheita esta camada de terra e matéria orgânica que foi retirada e depositada no meio das entre linhas do cafeeiro voltam a ser depositado sob os ramos plagiotrópicos. Este intervalo de tempo entre a arruação e a esparramação do cisco demora em torno de 3 a 5 meses, ficando o solo descoberto exposto principalmente aos raios solares aumentado a evaporação de água, matando as raízes finas e microrganismos benéficos.

O que se tem visto em algumas propriedades que trabalham com manejo da brachiária e alguns produtores que deixaram de fazer a arruação é o aumento da matéria orgânica, logo maior quantidade de água retida, portanto resistindo de forma mais adequada ao estresse hídrico.

No ponto de vista operacional o cafeicultor deixa de fazer os trabalhos de arruação e de esparramação do cisco reduzindo os gastos. Como nem tudo são flores, o trabalho de varrer e recolher o café, conhecido também como varrição, fica um pouco mais demorado pela maior carga de matéria orgânica e solo, mas com as vantagens já expostas anteriormente. Diante de tudo que foi falado, a pratica da arruação gera um DESSERVIÇO À CAFEICULTURA. Muitos leitores provavelmente irão questionar essa ideia, mas se falássemos no final da década de 1980 aos nossos avós que deixaríamos as entre linhas do café coberta por vegetação, certamente seríamos chamados de loucos.

Tudo que é novo assusta e causa estes sentimentos, mas nosso objetivo não é romper esta cultura de forma repentina, mas sim permitir que nossos leitores conheçam e comecem a testar esta nova alternativa de preferências nos talhões onde a colheita é iniciada mais cedo com pouco café de “chão”. Em lavouras convencionais para facilitar o manejo da colheita o produtor pode utilizar da roçada ou da arruação química com o uso de herbicida visando apenas manejar o mato.

O que irá acontecer a curto prazo serão lavouras caminhando para um maior patamar de sustentabilidade com foco no armazenamento de água no solo. Com mais água no solo há maior quantidade de raízes (Figura 4), ramos produtivos e frutos. Maior será a porosidade, melhor arejamento e sem dúvida nenhuma, mais diversificado será o solo em relação aos microrganismos.

Figura 4 – Lavoura de café sem a prática de arruação com acumulo de matéria orgânica e maior quantidade de raízes Fonte: (MELO, 2022)

Autor: Bruno Manoel Rezende de Melo, Tecnólogo em Cafeicultura, Doutor em Agronomia/Fitotecnica. IFSULDEMINAS-Campus Inconfidentes.

Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/4059991435170878

Autor: Gabriela Natali de Lima, Graduanda em Engenharia Agronômica- IFSULDEMINAS-Campus Inconfidentes.

Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/6224144740838551

Autor: Carla Hellen de Lima, Graduanda em Engenharia Agronômica – IFSULDEMINAS – Campus Inconfidentes.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2685207541644338

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