História de Ouro Fino
PROPOSTA FINAL
(Fotos: Luciana Leal. Ilustração Israel: Canva)
O telefone toca. Toca mais uma vez. Ligação Internacional.
O Hamas acaba de invadir Israel.
Do outro lado da linha, meu amigo de juventude, Moamed Kadar, médico famoso, reside e trabalha em Gaza há vários anos.
Todo ourofinense pensa um dia voltar para sua terra natal. Também sempre cultivei essa vontade até que, meses atrás, comprei uma casa no Parque dos Palomos, perto do Lago. Seria para deliciar os últimos tempos de minha vida na magia e beleza daquele encantador recanto.
Longas caminhadas de manhã entre patos e marrecos a coaxar, suplicando um bocado de ração; ouvindo o trinar dos pássaros, anunciando o amanhecer do dia; respirando o ar puro da relva, que purifica os pulmões e rejuvenesce a alma.
Essa a santa vida que Ouro Fino nos oferece.
Como faço sempre e rotineiramente atendo a ligação do meu amigo Moamed Kadar. Suas primeiras palavras são de ansiedade e preocupação.Essa invasão do Hamas a Israel vai nos ocasionar sérios problemas aqui em Gaza.
E com a voz meio ofegante e trêmula:
_Meu amigo, ultimamente você anda reclamando muito de Ouro fino. De alguns desgovernos por que a cidade passa, como asfaltamento do calçamento, corte de árvores das ruas e avenidas, do esgoto à céu aberto, de cavalo de tróia, boi sem coração, destruição do patrimônio histórico e, agora, até pedágio nas rodovias que levam à cidade.
Obtemperei em seguida:
_As narrativas que lhe faço sobre Ouro Fino não são opiniões só minhas. Parte da cidade pensa assim também e expressam em grupos de internet.
Moamed interrompe minha fala.
_Quero lhe fazer uma proposta. Tenho um belo de um apartamento de cobertura aqui no centro de Gaza. Fica ao lado do prédio administrativo do Hamas. Uma visão panorâmica extraordinária. Vale millhões. Como você anda reclamando muito de Ouro Fino, proponho-lhe uma permuta. Dou-lhe minha cobertura aqui em Gaza em troca de sua casa aí no Parque Palomos.
_E que ganho com isso – lhe respondi.
E ele com ar palestino:
_Dou-lhe um Tumulo no cemitério daqui recém reformado.
-Mui amigo!
Desliguei o telefone.
Ulisses Abreu
14.10.2023
