História de Ouro Fino: Dona Guili e a Doméstica
Mesmo com a ajuda da irmã Nini, professora Guili se encontrava cansada com os deveres da escola e o trabalho doméstico em casa. Decidiu contratar uma empregada para os afazeres mais pesados na sua residência.
Zizi, uma mocinha rude e analfabeta, vinda das bandas da Colônia, criada numa casinha humilde nas barrancas do Rio Mogi, fora contratada por Dona Guili, após boas referências obtidas de sua amiga Aurora.
– Ela é uma menina de muita confiança. Pode entregar a casa pra ela. Não tem muito traquejo, Guili, mas sob sua supervisão, vai servir bem.
Nas primeiras semanas Zizi trabalhou muito bem. Lavou banheiro, passou pano molhado na casa, limpou a poeira dos móveis e fez tudo mais que lhe fora atribuído como tarefa diária. Realmente descansou muito professora Guili. Dr. Eurico se tornara médico famoso na capital de São Paulo. Fora até convidado para a Secretaria de Saúde do município, mas, em princípio, recusara a proposta, uma vez que isso poderia dificultar as suas idas freqüentes a Ouro Fino, sua terra natal, onde pendiam laços estreitos de família.
Além do mais, aproveitava parte de seu tempo consultando as pessoas mais carentes, que o procuravam.
Com o correr do tempo no trabalho, Zizi foi fraquejando. A preguiça tomou conta dela. Não adiantava mais as reclamações da professa Guili. Numa conversa de família, Nini chamou atenção para um fato que poderia ser a causa da inanição daquela menina. Manchas brancas salpicavam naquele rosto moreno, prenunciando uma severa verminose.
Professora Guili foi enfática:
– Nini, você está certa. Dr. Eurico está na cidade. Veio visitar o seu sogro, Chico Lucchesi. Leve a menina lá pra uma consulta médica.
Não deu outra. Dr. Eurico passou um exame de fezes para Zizi.
– O que é fezes, doutor? Exclamou Zizi.
Dr. Eurico pacientemente explicou que ela tirasse, por três dias seguidos, o cocô e o colocasse numa lata e levasse para o exame na Farmácia do Dr. Luiz Ulisses.
Três dias depois, Zizi põe de baixo do braço uma lata de um quilo de manteiga da Primor, bem cheia e, já na saída, Dona Guili pergunta:
– O que e isso, menina?
– É boita, dona Guili. É boita…
(Conto de Ulisses Abreu)