HISTÓRIA DE OURO FINO

CAPÍTULO IV

LUIZ LEITE – MARCADO PARA MORRER

(O historiador busca em diversas fontes os fatos para narrar sua versão histórica, dificilmente num presídio.)

Matar LUIZ LEITE e receber sua língua numa bandeja seria o ápice da festa de comemoração da vitória dos MOLAMBOS sobre os CURIANGOS em Ouro Fino.

Tiãozinho ainda traumatizado com a cerimônia inacabada de seu batismo inicial na cela 4242 do Presídio do CARANDIRU, sentia-se como um pássaro selvagem a  debater em uma gaiola nos primeiros dias de prisão. O seu convívio com os demais presos vinha melhorando a cada dia que passava, graças a ajuda de seu conterrâneo ZÉ RISCA FOGO.

– Vem aqui TOM MIX! Vamos falar sobre Ouro Fino, aquela nossa boa terra – convocou ZÉ RISCA FOGO em tom imperial.

Sentados no chão da cela, TIÃOZINHO e ZÉ RISCA FOGO conversavam como se fossem dois velhos amigos ourofinenses.

 – Eu sou dos Freitas da Colônia e o senhor seu JOSÉ? – perguntou agora Tom Mix.

– Há! Há! meu filho, minha história é longa. Meus antepassados foram capturados no Congo, lá na África. Revoltados com o trato que os fazendeiros davam aos escravos aqui no Brasil, meus parentes transformaram-se, quase todos, em matadores de gente. Eu também.

– O último que matei foi o cabo Anselmo. Estou aqui cumprindo o 121 por esse crime, mas a morte daquele bandido de farda foi uma obra prima da pistolagem.

– Vários dias acompanhei a trajetória do cabo Anselmo. Dois soldados na patrulha sempre o acompanhavam. Empreitada difícil. Disso que gostava. E minha gana para fazer o serviço aumentava. Procurava um vacilo dele e encontrei. Toda manhã, ás 6:00 horas, cabo Anselmo deixava a viatura estacionada e caminhava pela calçada uns trezentos metros à pé para entrar no batalhão a que servia. Caminhei atrás dele discretamente saquei a arma e explodi sua cabeça com um tiro certeiro. Guardei a arma e continuei andando como se nada tivesse acontecido. Minha missão estava cumprida.

– O caso teve grande repercussão na imprensa de São Paulo. Viajei para Ouro Fino e, depois, fui me refugiar na casa de meu avô, lá no cume da Serra do Tira Fogo, quase no descambo para Andradas.

– Meu avô morava perdido no beiço direito do riacho que desce o boqueirão, margeando a estrada cavaleira da Serra Tira Fogo.

Naquele local sombrio, coberto de mata densa, sentado num toco de peroba, meu avô, CHICO TIRA FOGO, contou-me como foi contratado para matar Luiz Leite naquele período negro de luta política em Ouro Fino entre MOLAMBOS E CURIANGOS.

– Oh de casa! oh de casa! – a conversa foi interrompida e meu avô foi atender ao visitante.

Ulisses Abreu – 17/04/2022

(Visita ao Carandiru, foto pela usuária do Flickr silmaraelis, publicada sob licença da Creative Commons. A legenda diz “as almas já estavam esquecidas lá dentro há muito tempo”.)

Deixe um comentário