História de Vida. A Formiga e o Idoso.
por Ulisses de Abreu
Está definitivamente resolvido. Não vou mais advogar. Setenta anos de
idade, envolvido em pilhas de processos judiciais, fatalmente não era isso
que pensava para o golinho de vida que me restava. Não desejava morrer
em cima de uma máquina de escrever.
Depois de pensar na minha vida futura, ainda sentado frente a mesa de
trabalho, abri um processo para estudar a defesa do cliente. Vi que ali
não continha só bloco de papéis.
Naquele emaranhado de folhas, guardava uma história de lutas e sacrifícios
que se discutia na busca de uma decisão judicial.
Com uma pitada de amargura, fui deixando aos poucos aquele
amontoado de histórias e emaranhado de leis para os novos causídicos.
No combate travado nos processos, deixou-me o ensinamento, que,
apesar de lenta e pegajosa, a justiça é um fator importante para o
equilíbrio e a paz social.
Agora livre, leve e solto das amarras da advocacia, sentado ao pé de uma
frondosa castanheira, abateu-me uma súbita depressão.
Acabava de comprar uma terra abandonada, sem nenhuma infraestrutura. E
questionava: teria eu, numa avançada idade, condições de transformar
aquele amontoado de terra numa fazenda?
Cabisbaixo e abatido, olhava meditabundo para o chão.
Nesse momento, passei a observar uma pequena formiga carregando nas suas costas uma
enorme folha. O vento suave que batia na folha, fazia a formiguinha
balançar de um lado para o outro, mas ela seguia seu caminho firme e
determinada.
Quando a folha caia, a formiguinha a atracava novamente
e seguia seu caminho.
O meu pensamento se voltou agora única e exclusivamente para a brava
e guerreira formiguinha.
Depois dos múltiplos percalços, finalmente ela chegou no pequeno buraco do formigueiro,
mas não conseguiu entrar com aquela enorme folha.
Tentou por diversas vezes num esforço infrutífero, entretanto não desistiu de sua empreitada.
A formiguinha deixou a folha na porta do buraco e penetrou no formigueiro.
Pouco depois voltou com várias companheiras.
Repicaram a folha em pedaços menores e transportaram para o formigueiro.
Ao apreciar o esforço intenso da formiguinha na luta pela vida, meu
estado depressivo se foi lentamente.
Ficou-me a lição: não importa a idade, com luta, perseverança e
inteligência, podemos realizar os nossos sonhos mais íntimos.
Revigorado parti resoluto para construção de minha nova vida.